Diário de uma peregrina #1

Faz hoje exactamente um ano que comecei a melhor viagem da minha vida (até agora). Apanhei três autocarros. Primeiro de Celorico da Beira até ao Porto, Porto-Viana do Castelo, Viana do Castelo-Ponte de Lima.

O Caminho de Santiago é mais conhecido a partir do Porto, as pessoas já conhecem a vieira com o símbolo da cruz de Santiago, o que caracteriza os peregrinos de Santiago e fomos imediatamente reconhecidas no autocarro de Viana do Castelo até Ponte de Lima.

Condutor: As meninas vão para Santiago de Compostela, mas apanhar um autocarro é batota.

Nós: Err... Nós vamos começar em Ponte de Lima.

Senhora do autocarro: Vão ver o Papá? Está lá agora, não é?

Nós: Não, ele esteve foi em Madrid. (na altura da Jornada Mundial da Juventude em Madrid)

Em Ponte de Lima começamos a carimbar a credencial do peregrino e a avistar as setas amarelas que indicam o caminho.

         A primeira seta amarela 

Foi uma grande emoção quando vimos a nossa primeira seta amarela. Mas não deixamos de nos sentir um tanto ou quanto estranhas, com as mochilas às costas enquanto nos cruzávamos com as pessoas de Ponte de Lima. Mais tarde, ao longo do caminho, este sentimento foi-se diluído e acabou por ser algo normal para nós entramos nas aldeias, vilas e cidades por onde passávamos.

Chegamos a Ponte de Lima depois da hora de almoço. Almoçamos num jardim perto do albergue dos peregrinos de Ponte de Lima e pusemos pernas ao caminho já passava das 15h e tínhamos 19 km pela frente até ao próximo albergue. Quando passamos à frente do albergue de Ponte de Lima estava um casal de peregrinos estrangeiros à porta à espera que abrisse, meio envergonhadas dissemos adeus, também essa timidez foi passando e desejar "bom caminho" ou "bon camiño" tornou-se tão fácil de dizer como de ouvir.

Rio Lima

Na saída de Ponte de Lima cruzamos-nos com dois senhores que nos perguntaram se éramos peregrinas de Santiago e nós respondemos que sim, quando viramos costas ainda ouvimos um: "coitadas". Acredito que só quem tem a vontade de fazer o caminho ou quem já o fez é que pode perceber qual é o sentimento de felicidade que ele nós traz. É durante o caminho da vida que as  melhores coisas acontecem, que aprendemos e crescemos enquanto pessoas.

Entre Ponte de Lima e Rubiães temos uma das piores partes do caminho, a Serra da Labruja. A senhora do posto de turismo de Ponte de Lima avisou-nos, mas ninguém está preparado para aquela subida. Ainda mais quando a meio da subida e da serra, com mato à volta e sem ninguém à vista ouvimos um berro que parecia dum tarzan. Com o medo subimos aquilo o mais rápido possível. Quando já estamos a descer, passam por nós 3 ciclistas de Guimarães que também faziam o caminho, perguntei se foi deles o grito e eles disseram que sim. Se para quem vai "só" de mochila às costas a subida já custa, para quem leva uma bicicleta às costas não deve ser nada fácil...

Mas o susto que apanhamos quando eles gritaram não foi o único susto, na descida olhei para trás e quando vi o primeiro ciclista parado a olhar para baixo, apanhei cá um susto!

Serra da Labruja

O nosso desenho de uma vieira.

Quando estamos a uns poucos quilómetros de chegar ao albergue de Rubiães começou a chover e eu cheguei completamente molhada ao albergue. Nessa noite, nós que apesar de termos passado por aquela subida estamos frescas que nem uma alface e já não nos víamos há muito tempo, por isso quando nos fomos deitar começamos a falar, quando começamos a falar fazíamos baixinho, mas o tom foi subindo até que um moço ao lado nos diz: "se quiserem falar vão para a sala de convívio, aqui é para dormir". Ficamos logo caladas. Mas porque Deus escreve direito por linhas tortas, este rapaz seria ainda um  dos nossos amigos e companheiros de viagem.

Albergue de Rubiães

Mapa do percurso Ponte de Lima-Rubiães